Todos vimos
sentindo o quanto as sociedades modernas passam por grandes transformações: a
complexificação das estruturas e das relações sociais, a difusão de novas
tecnologias que invadem o cotidiano de todos os cidadãos, especialmente nos
centros urbanos. Informática, transportes e telecomunicações, comunicação de
massa, tudo isso impõe novos desafios a serem enfrentados pelos cidadãos.
Participar da sociedade hoje exige dos indivíduos um número muito mais elevado
e complexo de capacidades: operar terminais bancários, transitar pelo sistema
de transportes, utilizar meios de comunicação como fax, celulares e Internet,
lidar com um número cada vez maior de pessoas, de diferentes origens sociais e
culturais, conhecer as cada vez mais complexas estruturas administrativas da
vida social por onde transitam seus direitos e deveres e saber como utilizá-las
são algumas das exigências diárias da vida moderna.1
No interior
dessas novas relações, os diferentes grupos sociais elaboram suas utopias, seus
projetos de futuro, pensando em como interagir com essa sociedade para que
possam usufruir dela de maneira mais positiva. Esses grupos se polarizam em
dois focos. O pólo dominante prioriza a necessidade de competitividade das
empresas. Num sistema econômico competitivo, só alguns sobrevivem, os demais
desaparecem. A meta dos empresários é sobreviver e crescer, aumentando seus
lucros. Para isso eles seguem buscando a competitividade através da redução de
custos e do aumento da qualidade, eliminando postos de trabalho e exigindo cada
vez maior produtividade dos trabalhadores que são mantidos em seus empregos.
Premiação dos melhores, eliminação dos incapazes e acumulação individual de
riquezas são os valores orientadores dessa sociedade competitiva, a lógica
meritocrática nos levando a acreditar que a exclusão e as misérias dela
decorrentes são "naturais".
No pólo popular,
os trabalhadores se mostram pouco acreditados nesse sistema competitivo e
sonham com uma sociedade mais pautada na igualdade de direitos, numa qualidade
de vida básica que permita que todos possam usufruir livremente a vida em suas
múltiplas dimensões: artísticas, corporais e sociais. Solidariedade,
cooperação, direitos iguais e qualidade de vida seriam os valores orientadores
dessa sociedade a ser buscada.
Mas essas duas
visões dialogam com o mundo: a modernidade, a urbanização, a produção em massa,
a aproximação dos espaços e tempos, etc. Interagir com essa modernidade é
desafio para todos. Mas, de acordo com a perspectiva social e política de cada
grupo, essa interação busca objetivos muito diferenciados: competição x
solidariedade, premiação x justiça social, lógica do mercado competitivo x
lógica dos direitos sociais.2
É no interior
desse contexto que vêm disputando diferentes concepções pedagógicas em torno da
expressão Pedagogia das Competências. As posições variam desde a adoção quase
religiosa dessa terminologia, passando por uma visão crítica dela mas que
resgata seus aspectos positivos até a recusa total de qualquer abordagem ou
proposta onde apareça o termo "competências".
Estaremos
procurando resgatar, nesse texto, os aspectos chamados por Neise Deluiz de
"luminosos" da Pedagogia das Competências, uma vez que nosso objetivo
é o de oferecer alguns referenciais teórico-metodológicos para a prática
pedagógica dos educadores junto a seus alunos. Assim, estaremos nos
referenciando àquela corrente, dentro dos defensores da Pedagogia das
Competências, oriunda do campo da educação, que difere em muitos aspectos da
apropriação feita desse termo pelo mundo do trabalho. Segundo Perrenoud,
"Essa moda simultânea da mesma palavra em campos variados esconde
interesses parcialmente diferentes."3 Neste texto, trabalharei com a noção
de competência tal como apresentada por Perrenoud, segundo a qual a competência
é a capacidade de articular um conjunto de esquemas, situando-se, portanto,
além dos conhecimentos, permitindo "mobilizar os conhecimentos na
situação, no momento certo e com discernimento."4
Gostaria de
ressaltar ainda que essas disputas pedagógicas entre empresários e
trabalhadores e entre políticos e intelectuais que os representam, não são
novas. No campo da educação, a história da Pedagogia mostra como os diferentes
grupos sociais constróem, se apropriam e ressignificam as propostas uns dos
outros, buscando dar a essas propostas a "sua cara". Assim, muitos
dos pressupostos adotados pela chamada Pedagogia das Competências são oriundos
de teorias pedagógicas e de experiências do campo da oposição: a Escola Nova,
os Ginásios Vocacionais paulistas da década de 60, as experiências educativas
dos trabalhadores e dos movimentos sociais: Movimento dos Trabalhadores
Sem-Terra, Escolas Sindicais, programas educativos da Confederação Nacional dos
Metalúrgicos, diversas propostas de escolas públicas em gestões populares como
a Escola Plural de Belo Horizonte, a Escola Cidadã de Porto Alegre e a Escola
Candanga de Brasília, além de inúmeras experiências educativas de ONGs
diversas, ligadas à educação popular. Dessas tradições emergem alguns
princípios que ajudam a nortear a construção cotidiana de projetos pedagógicos
que, dialogando com os aspectos "luminosos" da chamada Pedagogia das
Competências, procura trazê-la para o campo dos interesses democráticos e da
cidadania plena. Passo a apresentar esses princípios.
Princípios
básicos de uma Pedagogia das Competências
1. Uma
formação humana integral, sólida e omnilateral só possível com justiça social
Diante da
complexidade da vida moderna, tanto a educação geral quanto a profissional, ou
quaisquer outros processos de formação humana (sindicais, ligados a ONGs,
religiosos, etc.) estão cada vez mais atentos aos novos desafios que os
indivíduos e os grupos sociais precisam enfrentar.
O primeiro
aspecto a ser ressaltado é que o nível educacional exigido é cada vez mais
alto: primeiro porque os indivíduos estão expostos, na sociedade moderna, a um
grande número de relações interpessoais que também são mais complexas: os
grandes centros urbanos e os inúmeros contatos que eles proporcionam nas
grandes escolas, igrejas, nos conjuntos habitacionais, nos eventos sociais, no
comércio, no mundo do trabalho, nos órgãos de governo e nas ONGs. Em segundo
lugar, os cidadãos estão em contato cada vez mais intenso com informações as
mais diversas que eles precisam selecionar, analisar e utilizar. A escrita
hoje, diferentemente das gerações anteriores, é código de domínio
imprescindível. Além disso, lidamos com informações de caráter
científico-tecnológico e com linguagens complexas como a matemática, a
informática, a comunicação de massas. Daí o clamor geral, de empresários e
trabalhadores, pela elevação da escolaridade básica. A própria LDB define como
Educação Básica o Ensino Fundamental e o Médio.
As habilidades
complexas exigidas do novo cidadão não serão atingidas fora desse nível
educativo que deve proporcionar a formação básica mental-cognitiva, social e de
capacidades de realização. Leitura de mundo fundamentada nos conhecimentos
historicamente acumulados, científicos e culturais, análise crítica das
informações socialmente veiculadas, compreensão de códigos, mapas e tabelas,
pesquisa e estudo autônomos em diferentes fontes de conhecimentos, solução de
problemas, comunicação e expressão, desenvoltura social são objetivos
educacionais só possíveis de serem alcançados através de processos educativos
complexos, prolongados e diretamente orientados.
Mas formar o ser
humano não é só formar para a sociedade e para o mercado. É formar para a
felicidade. Isso significa desenvolver nesse ser também as suas
potencialidades, os canais de utilização e de expressão artística, de
desenvolvimento físico-corporal e a sociabilidade prazerosa. É dar
oportunidades a milhões que não as têm de praticar esportes, de conhecer e praticar
diferentes tipos de artes, de conviver pela alegria de estar junto.
Aí temos, logo de
saída, uma grande polêmica em torno da Pedagogia das Competências, entre
aqueles que afirmam ser possível o desenvolvimento de habilidades complexas em
cursos curtos e isolados e aqueles que defendem o direito à Educação Básica
(Ensino Fundamental e Médio) para todos como o único caminho para o
desenvolvimento de competências e habilidades complexas. Em função dessas
crenças, veremos diferentes projetos pedagógicos que se concretizarão em
propostas de determinada carga-horária, maior ou menor, com determinados
objetivos, mais específicos e pontuais ou mais gerais e complexos, com
diferentes abordagens metodológicas e diferentes investimentos de recursos
humanos e financeiros para dar suporte a essas propostas. A partir desse
primeiro pressuposto já podemos pensar em como articular cursos práticos,
eficazes e flexíveis com uma preocupação com a elevação do nível de
escolaridade de todos os trabalhadores.
2. O significado
da aprendizagem
Outro aspecto
fundamental das novas concepções pedagógicas e, entre elas, a Pedagogia das
Competências, é o questionamento do ensino como inculcação de conteúdos de que
apenas o adulto ou o especialista conhece o valor: "No futuro você vai
compreender". As novas pedagogias acreditam que o aluno implicado,
envolvido e interessado aprende com uma energia incomparável. Por isso é
preciso tornar os saberes significativos interessantes. O aluno precisa
compreender já o real valor do que está sendo trabalhado e acreditar nisso.
Há vários
caminhos para se construir a necessidade de aprendizagem no aluno e é preciso
que a cada objetivo a alcançar se dê o tempo e as oportunidades necessárias
para que o aluno compreenda com total clareza a sua importância e como aqueles
conhecimentos se articulam com outros saberes e com processos da vida real.
Para que ele efetivamente aprenda, é fundamental que se crie a necessidade de
aprendizagem que será a força propulsora da mobilização das energias intelectuais
e emocionais do aluno no processo de construção do seu conhecimento.
O professor
também deve estar atento para a necessidade de envolver o aluno com as
diferentes atividades educativas propostas para a sua formação, de maneira que
todos os alunos percebam com clareza o porque de se estar realizando cada
tarefa/atividade. Com isso, buscamos romper com o que Enguita chama de
alienação do aluno com relação aos objetivos e aos processos educativos.5 Nas
empresas, nem sempre os trabalhadores têm a oportunidade de conhecer as razões
e os fundamentos dos procedimentos que eles devem realizar. Apesar de todo o
discurso de linha toyotista ou pós-fordista, sabemos que o mercado é muito
heterogêneo e que as empresas têm muitas formas diferentes de trabalhar. Muitas
delas ainda mantêm o trabalhador alienado dos objetivos e dos processos de
produção, cumprindo ordens e desempenhando tarefas sem uma maior compreensão de
seu significado. Mesmo nas empresas toyotistas, o trabalhador participa das
decisões menores, mas as finalidades da produção dizem respeito aos interesses
imediatos do empresário, nem sempre dos trabalhadores.
Os processos
formativos devem ser o lugar da participação consciente e crítica, da
colaboração ativa, da avaliação coletiva e permanente se realmente queremos
formar cidadãos-trabalhadores críticos, criativos e autônomos. Portanto, os
educadores devem estar atentos em suas salas deaula para o esclarecimento, aos
alunos, de cada etapa do processo educativo de forma que todos eles compreendam
amplamente o seu valor.
Para garantir que
os conhecimentos ou conteúdos trabalhados tenham um significado real para o
aluno, um outro cuidado é necessário: lembrarmo-nos de que os conhecimentos não
existem, no mundo real, divididos em disciplinas. Ao desempenhar qualquer
atividade social ou profissional na vida, utilizamos concomitantemente saberes
diversos: a enfermeira usa a linguagem matemática para calcular a porcentagem
de um desinfetante químico que será aplicado na desinfecção de um abcesso
originado por uma mosca com determinado ciclo de vida e que se prolifera em
determinadas regiões geográficas. A história dessa patologia orienta as
políticas públicas de combate à doença, articuladas com as condições
socioeconômicas da população.
Na vida, os
conteúdos são todos integrados. Separá-los em disciplinas é uma operação humana
que tem facilitado a aquisição desses conhecimentos mas que tem, por outro
lado, destituído muitas vezes esses conhecimentos de seu significado, só
apreensível no interior da totalidade social onde eles ocorrem. Daí a noção de
globalização que tem sido muito valorizada no campo da educação e que a
Pedagogia das Competências também tem levantado.6 A idéia de globalização
remete a essa visão de que o conhecimento é global, não segmentado e que sua
fragmentação em disciplinas faz parte de um momento de sua produção.
Entretanto, é necessário alcançar uma nova etapa: aprofundar-se nos
conhecimentos, trabalhando com eles em sua especialização mas não parar aí:
reconstruir seu caráter global a cada passo, garantindo assim seu significado
real na vida e no mundo.
Isso impõe novos
desafios ao professor: romper os limites de nossa formação fragmentada e
reconstruir as relações de nossa área específica de conhecimento com outras
áreas de saber correlatas. Mais uma vez os educadores da formação profissional
têm vantagens: no mundo do trabalho os saberes são necessariamente integrados e
a solução dos problemas está cada vez mais evidentemente vinculada a uma visão
mais global dos processos. Por isso a exigência de os educadores da Educação
Profissional trabalharem nesse sentido.
3. O papel dos
saberes dos alunos nas atividades educativas
Os conhecimentos
prévios dos alunos cumprem um papel fundamental nos processos de aprendizagem.
O primeiro passo do processo de aprendizagem é a busca de compreensão daqueles
novos elementos aos quais estamos tendo acesso e essa compreensão é construída
pelo relacionamento de nossos conhecimentos anteriores com os novos saberes.
Conceitos e relações são assim desestabilizados e reconstruídos, mas apenas se
acontecer esse diálogo entre os conhecimentos prévios, também chamados de
representações dos alunos, concepções alternativas ou culturas de referência e
os novos saberes. Os conhecimentos prévios são as estruturas de acolhimento dos
novos conceitos e por isso devem ser cuidadosamente investigados pelo professor
e levados em conta no momento de se construir propostas de atividades de
aprendizagem. Para isso é necessário que cada educador domine e aplique em seus
cursos diferentes estratégias de sondagem de conhecimentos: questionários,
entrevistas, debates, júris-simulados, jogos e dinâmicas, dentre outros.
Além dessa
argumentação cognitiva, os saberes de referência também devem ser levados em
conta por outro importante motivo: nem todos os saberes que orientam a vida
humana são provenientes da ciência e da tecnologia. A vida humana é complexa e
o campo do desconhecido é infinito. Os desafios propostos ao ser humano estão
longe de ser esgotados pela ciência e existem outras esferas de saber que
oferecem respostas para as indagações e necessidades humanas, como a arte e a
religião, por exemplo. Além disso, saberes oriundos das práticas sociais nem
sempre estão incorporados nos saberes acadêmicos e escolares: os conhecimentos
tácitos, as práticas sociais, as experiências acumuladas nas lutas políticas e
no cotidiano têm um importante papel na orientação da conduta humana. As
empresas já descobriram que há inúmeros saberes fundamentais ao desempenho
profissional que não estão organizados no campo da ciência e da tecnologia:
eles se encontram difusos na mente dos trabalhadores, muitas vezes de forma
inconsciente, mas são, sem dúvida, poderosos orientadores nas tomadas de
decisão.
Também a
experiência político-social do trabalhador-cidadão deve ser resgatada e
valorizada nos processos educativos: trazida à tona e sistematizada, operando
uma valorização do ser e fortalecendo sua auto-estima através do resgate de
suas experiências de vida. As atividades de ensino-aprendizagem devem permitir,
portanto, a mais ampla circulação de informações e conhecimentos anteriores dos
alunos, de suas visões de mundo e da vida profissional. É a reflexão sobre a
experiência político-social dos alunos que dará a direção dos valores que
orientarão as ações, posturas e opções dos trabalhadores no mundo do trabalho e
na vida social.
Um exemplo
concreto seria a instrumentalização dos trabalhadores para participarem dos
debates em torno das políticas públicas da cidade, como usuários e,
principalmente, como profissionais de alguma área específica: saúde,
transportes, recursos humanos, estética, gestão, comércio, etc. O trabalhador
de qualquer setor deve se constituir em contribuinte privilegiado nos debates
sobre as políticas públicas, estando inteirado desses debates, de seus temas e
fóruns. Diversos órgãos de planejamento público têm oferecido oportunidades de
participação na definição de políticas públicas e esses debates precisam ser
trazidos para os cursos de formação profissional. Além disso, os trabalhadores
trazem de sua experiência uma certa visão acerca dos sindicatos, que deve ser
analisada e enriquecida, para que eles se constituam cada vez mais em
interlocutores junto aos sindicatos, na construção de suas estratégias de ação
e de suas cartas de direitos, esclarecendo a sociedade a esse respeito e
ajudando os sindicatos a se aproximarem dos reais interesses da categoria e dos
trabalhadores em geral. Os trabalhadores possuem também visões relativas à
justiça do trabalho e representações sobre ela. Os projetos de educação de
trabalhadores devem também problematizar essas experiências e oferecer
informações para capacitar o diálogo dos trabalhadores com a justiça e com os
debates atuais em torno da legislação e do funcionamento do judiciário.
As experiências
dos trabalhadores apontam ainda para um outro campo de saberes a ser analisado
e enriquecido: o campo da geração de renda, hoje fundamental em nossa
sociedade, frente ao retrocesso das vagas no mercado formal. Existem inúmeras
experiências de geração de renda e cooperativismo em diversos setores da
economia, dirigidas por trabalhadores ou por cooperativas de trabalhadores que
vêm construindo novas alternativas de inserção profissional que precisam ser
conhecidas e debatidas nos processos de formação para o trabalho, capacitando
os trabalhadores também nesse campo.
Essa é uma das
oportunidades para se concretizar em sala de aula a formação ética, um dos
campos prioritários de qualquer processo de formação profissional e humana.
Trazer essas experiências e os valores que as orientam para o debate em sala de
aula, permitir a troca e a análise crítica das mesmas é uma das maneiras de
formar sujeitos críticos e éticos.
4. A
diversificação das atividades formativas
Estamos vendo que
os campos da formação humana são múltiplos e complexos. Trabalhar com vista ao
desenvolvimento integral do ser exige, assim, a diversificação de atividades
educativas. O educador deve ser um colecionador incansável de experiências
didáticas bem-sucedidas, suase de outros colegas, e de técnicas e dinâmicas de
ensino. Deve ser ainda um profissional especializado na elaboração de recursos
de ensino (textos, roteiros de trabalho, apostilas, exercícios), visando não só
a aquisição de conhecimentos cognitivos, mas também de outros saberes e competências
sociais, políticas, instrumentais, ultimamente denominados de saber, saber ser
e saber fazer.7
Desenvolver
competências exige que se programem atividades de acordo com o tipo de
experiência que cada uma delas proporciona ao aluno: algumas desenvolvem a
capacidade de pesquisa, outras desenvolvem a capacidade de concentração, ou de
síntese, de relacionamento interpessoal, de crítica, de planejamento, outras
atividades pedagógicas desenvolvem a comunicação escrita, a leitura e
interpretação, a solução de problemas, além das diferentes competências ligadas
ao desempenho profissional.
Além de propor
atividades educativas diversificadas, o formador deve ainda estar atento a
todos os acontecimentos corriqueiros da sala de aula: às pequenas ações, às
diversas manifestações dos alunos, às dúvidas e polêmicas, às dificuldades, às
diferentes posturas que se manifestam num grupo de alunos. É nesses
acontecimentos que o professor deve intervir, orientando, questionando,
suscitando o debate e a reflexão, estimulando a pesquisa de outros referenciais
além dos que já estiverem ali presentes. Cabe ainda ao educador acompanhar
criteriosamente cada passo das atividades propostas, cuidando da organização do
espaço físico, da disponibilidade dos recursos necessários, da utilização
máxima e produtiva do tempo, do registro e da disponibilização clara de todas
as informações orientadoras do processo. Na verdade, no cotidiano da sala de
aula essas tarefas, que à primeira vista podem parecer excessivas, vão
acontecendo de maneira natural e quase automática a partir do momento em que o
educador se coloca numa postura de total atenção ao que ocorre, de observação
profissionalizada e de intervenção orientada pelos fins, sempre múltiplos e
complexos, que os processos educativos devem visar.
Um bom processo
para que nós profissionais da educação nos aperfeiçoemos nessas habilidades de
condução das diferentes atividades educativas é o compartilhamento das aulas
por mais de um professor, que pode ser permanente ou ocasional. Quando um
colega assiste a uma aula nossa, temos um outro olhar sobre nossas posturas e
ações, alguém de fora sugerindo, apontando para atitudes que muitas vezes nos
passam despercebidas. Daí advém o próximo princípio de uma Pedagogia das
Competências, o Trabalho Coletivo.
5. O Trabalho
Coletivo
O trabalho
coletivo tem sido valorizado já há muito tempo, em processos sociais os mais
diversos: os governos democráticos, a gestão colegiada de empresas,
universidades, ONGs e sindicatos, a produção científica através de grupos de
pesquisa, a administração democrática de cidades e escolas, a gestão
compartilhada de salas de aula.8
Nos processos
educativos, o professor ainda permanece isolado no "santuário da sala de
aula". Se esse isolamento dá a ele uma dose de autonomia, por outro lado
ele o relega às suas próprias limitações de formação, de percepção e de
criatividade. Crescer é desafiar-se, é estabelecer relações, é inventar novas
soluções, é desenvolver um novo olhar sobre sua própria prática e para isso o
melhor caminho é a troca entre iguais.
O trabalho
coletivo é também um dos caminhos fundamentais da formação do aluno, pelos
mesmos motivos e, além disso, por sua condição de favorecer o desenvolvimento
de habilidades sociais e éticas: conviver com opiniões e valores diferentes e
respeitá-los sem deixar de interagir com eles é um dos maiores desafios
colocados hoje para os cidadãos de todo o mundo e para os trabalhadores de
qualquer tipo de setor ou empresa.
Mas o trabalho
coletivo não deve ser deixado ao sabor da iniciativa de cada professor nem deve
ser simplesmente proposto aos alunos. Trabalhar coletivamente ainda é um
desafio para a maioria de nós, que fomos formados em uma sociedade
individualista. Por isso, o trabalho coletivo deve ser um objetivo institucional,
com tempos e espaços previstos para que ele aconteça. Os professores precisam
ter tempo remunerado para elaborar planejamentos coletivos, compartilhar suas
aulas com os colegas e analisá-las conjuntamente, realizar avaliações coletivas
periódicas do desenvolvimento dos alunos, propor atividades conjuntas
extra-classe. Além disso, as escolas precisam ainda ajudar os professores a
construir essas práticas coletivas: orientando reuniões de trabalho para que
sejam produtivas e não se percam em comentários isolados, dando visibilidade às
metas definidas e assegurando oportunidades periódicas de avaliação do alcance
de tais metas, dos entraves encontrados e dos meios de sua superação.
6. A
investigação integrada ao ensino-aprendizagem
Construir
saberes: esse é o papel da escola. Vimos que esses saberes são múltiplos. Eles
também são históricos, são dinâmicos. Para os cientistas, que, como nós, são
profissionais do conhecimento, a principal virtude é a capacidade de colocar
todas as verdades em cheque, refazendo perguntas básicas. Perguntar, perguntar,
perguntar. Segundo Demo, "Aprender não é acabar com dúvidas, mas conviver
criativamente com elas. O conhecimento não deve gerar respostas definitivas, e
sim perguntas inteligentes".9
Perguntar é
colocar-se em posição de investigação. É reconhecer que o que se sabe é sempre
questionável e que em qualquer ponto que estejamos é possível crescer. Mas só
cresce quem carrega a humildade do aprendiz. Quem tem a arrogância de tudo
saber, não acrescenta mais nada ao seu arsenal de informações. No entanto, a
cultura escolar brasileira construiu, por algum motivo, um antivalor que
impesteia e domina nossas salas de aula: a ética anti-pergunta, o deboche da
dúvida e do desconhecimento. Fazer uma pergunta é motivo de ansiedade para o
aluno, de medo de exposição ao ridículo, quando deveria ser encarado como
habilidade, como sinal de inteligência, de capacidade de questionamento, de
busca ativa pela informação.
Como valorizar o
saber e construir a capacidade de pesquisa e aprendizagem entre alunos que se
envergonham de perguntar? Que atitude educativa deve tomar o professor quando,
diante da pergunta de um colega, os demais o ridicularizam? Como resgatar a
valorização da capacidade de perguntar, de indagar?
O primeiro passo
é a construção, pelos professores, de sua própria capacidade de investigação. O
professor deve ser um perguntador de sua prática, sempre com a ajuda dos
colegas. O professor tem que ser também um investigador permanente de sua área
de conhecimento, de seu campo profissional.10 Para isso, ele deve ter tempos
remunerados e espaços especiais para pesquisa. Os contratos de trabalho de
professores devem prever, obrigatoriamente, tempo para pesquisa e aprimoramento
profissional: tempo para leitura, para freqüentar bibliotecas, conselhos
profissionais, órgãos governamentais especializados, universidades e,
obviamente, para visitas periódicas a empresas e profissionais. O educador deve
conhecer as principais fontes de conhecimento em sua área: congressos, revistas
e jornais, empresas que ministram cursos de atualização, órgãos de pesquisa
governamentais e universitários, e acessá-los periodicamente.
O educador, como
profissional dos conhecimentos, dever dominar ainda os métodos e técnicas
básicos de pesquisa: como fazer levantamento de dados através de diferentes
tipos de fontes, como sistematizar e analisar dados, como reelaborar e
sintetizar os dados a partir de uma perspectiva própria e, finalmente, como
socializar esse conhecimento investigado entre colegas e alunos. Há inúmeras
técnicas para isso que precisamos conhecer e experimentar. Detendo esses
procedimentos, o educador poderá planejar atividades que favoreçam o
desenvolvimento dessas habilidades fundamentais por seus alunos.
O Método de
Projetos
Nos últimos anos,
vimos assistindo ao resgate de uma metodologia de trabalho antiga: o Método de
Projetos. Os projetos são orientadores básicos das atividades no mundo do
trabalho. Autores clássicos como KarlMarx já apontaram para o fato de que o
trabalho é dignificante e constituidor do ser humano por seu trabalho
inventivo, que parte de uma antecipação mental daquilo que se pretende: o
projeto em si mesmo. Projetar é planejar intencionalmente um conjunto de ações
com vista ao atingimento de um ou mais fins. No campo da educação, clássicos
como Dewey e Freinet já apontavam, há cerca de 100 anos, para o valor educativo
de atividades de caráter globalizante por sua vinculação com o mundo real. O
campo da educação vem reconstruindo e ressignificando as diferentes concepções
acerca do Método de Projetos. Passamos, a seguir, a apresentar, em linhas
gerais, o que vem a ser, no cotidiano dos processos educativos, o tal método,
suas virtualidades e alguns de seus prováveis limites.
Podemos pensar em
termos de Método ou de Pedagogia de Projetos. O que muda, entre um e outro, é a
abrangência da implantação da metodologia, podendo chegar a uma mudança total
na orientação filosófico-pedagógica da escola. O Método de Projetos pode ser
implementado numa escola tradicional ou inovadora, como mais uma técnica de
ensino utilizada periodicamente, conjugado com outros procedimentos, ou pode
ser o procedimento principal e definidor do método da pedagogia da escola. No
final das contas, o que definirá a pedagogia da escola será o conjunto de seus
objetivos e propostas que orientarão, na prática, o tipo de educação que estará
sendo oferecida aos alunos.
Dessa forma,
quando falamos em Pedagogia de Projetos, estamos nos referindo a uma lógica
educativa bastante diferenciada do que se vem fazendo na maioria dos processos
educacionais. Mudar a lógica educativa significa romper com tradições e a
Pedagogia de Projetos apresenta diversas propostas de ruptura: romper com a
desarticulação entre os conhecimentos escolares e a vida real, com a
fragmentação dos conteúdos em disciplinas, em séries e em períodos letivos
predeterminados, como horários semanais fixos e bimestres, romper com o
protagonismo do professor nas atividades educativas, romper com o ensino
individualizado e com a avaliação exclusivamente final, centrada nos conteúdos
assimilados e voltada exclusivamente para selecionar os alunos dignos de
certificação.
A idéia central
da Pedagogia de Projetos é articular os saberes escolares com os saberes
sociais de maneira que, ao estudar, o aluno não sinta que aprende algo abstrato
ou fragmentado. O aluno que compreende o valor do que está aprendendo,
desenvolve uma postura indispensável: a necessidade de aprendizagem. Assim, o
professor planeja as atividades educativas a partir de propostas de desenvolvimento
de projetos com caráter de ações ou realizações com objetivos concretos e
reais: montar uma empresa, organizar um serviço de saúde, debelar uma crise
financeira da empresa, identificar problemas em processos diversos, elaborar
uma campanha educativa, inventar um novo produto e planejar sua
comercialização.
Os conteúdos
profissionais seriam trabalhados não mais a partir de uma organização prévia,
seqüenciada e controlada pelo professor, mas iriam sendo pesquisados e
incorporados à medida que fossem demandados pela realização dos projetos. Isso
exige do professor um acompanhamento cuidadoso dos projetos dos alunos, de
forma a prover os conhecimentos necessários relativos tanto aos conteúdos
disciplinares (saber), aos saberes e competências relativos à vida social e à
subjetividade (saber ser) quanto ao domínio de métodos e técnicas diversos,
relativos tanto às competências de aprendizagem autônoma quanto às competências
profissionais. Esse acompanhamento é fundamental porque um dos alertas que
alguns que já implementaram a Pedagogia de Projetos fazem, é para o risco de
aligeiramento do ensino, com redução ou superficialidade das informações
acessadas pelos alunos ou com foco principal no desenvolvimento de competências
(saber fazer) sem a necessária fundamentação científica, instrumento
indispensável para a real flexibilidade e criatividade do trabalhador.11
Os projetos
implicam pelo menos 4 etapas:
a) A
problematização: quando se define o problema a ser investigado ou o
empreendimento a ser realizado. Nessa etapa, o fundamental é conseguir que o
problema ou empreendimento seja assumido por todos os alunos como problema seu,
implicando-os em seu desenvolvimento. Para isso, o professor pode envolver os
alunos na escolha do projeto, desencadear técnicas participativas com vista a
envolver os alunos com a problemática: debates, júris-simulados, excursões,
entrevistas com pessoas da comunidade, levantamento de dados estatísticos sobre
o tema ou problema, etc. Há que se investir tempo na problematização, tanto para
possibilitar o envolvimento de todos os alunos como também para construir as
questões de investigação, que serão o guia principal do projeto.
b) A etapa
seguinte é a do desenvolvimento do projeto, quando se fará o planejamento do
caminho a ser percorrido, definindo-se as fontes a serem investigadas, os
recursos necessários, o cronograma do trabalho e, se for o caso, a atividade de
culminância do projeto. O professor deve estar cuidadosamente atento, nessa
etapa, para o desenvolvimento de importantes habilidades dos alunos
possibilitadas pela vivência de um processo de planejamento coletivo:
negociação, definição de metas e prioridades, ajuste de cronograma, definição
de estratégias de ação, divisão de tarefas com trabalho integrado.
c) A terceira
etapa de um projeto é a sistematização ou síntese. É o momento em que se
retomam os passos dados, tomando-se consciência do caminho percorrido, via de
regra invisível para quem estava "de dentro", envolvido no mesmo. É
quando se exercitam as habilidades de síntese, selecionando os conhecimentos
mais importantes trabalhados ao longo do projeto e organizando-os segundo a
forma anteriormente combinada, que funcionará como o ponto de culminância do
projeto. Este poderá ser, dependendo da área, a produção de um material
instrucional ou técnico, uma apresentação pública dos resultados, no estilo de
uma mostra ou feira ou qualquer outro tipo de evento ou relatório que
possibilite o exercício da síntese. Mais uma vez o professor deverá estar
atento para estimular, questionar, intervir e orientar o desenvolvimento das
habilidades envolvidas nos processos de síntese, em geral ausentes dos
processos educativos tradicionais e fundamentais para a aprendizagem:
registrar, selecionar, classificar, hierarquizar dados, construir uma
apresentação clara, enxuta e criativa. Isso implica ainda construir critérios
que definam a qualidade das habilidades trabalhadas: o que pode ser considerada
uma boa apresentação oral ou escrita? O que pode ser considerada uma boa
síntese de dados?
d) A outra etapa
dos projetos na verdade deve acontecer entremeada com as demais e ainda ao
final de toda a tarefa: é a avaliação. Aqui pretende-se implantar todo um
conjunto de idéias que vêm sendo longamente construídas ao longo da história da
educação acerca do que seja avaliar um processo de aprendizagem. Pretende-se,
com a avaliação, melhorar o processo, aprimorando todos os envolvidos. Os
processos educativos não podem ter compromissos com avaliações que visam
distinguir os melhores dos menos capazes. Não é essa a tarefa da educação. A
educação deve visar sempre e tão-somente o desenvolvimento do ser humano pleno,
integral. Para isso, é preciso desenvolver habilidades e traços de
personalidade muito complexos como: auto-avaliação rigorosa aliada a uma boa
auto-estima, humildade, vontade de crescer, compromisso com o crescimento dos
colegas e também dos professores, visão de conjunto do processo que permita
perceber os múltiplos fatores que intervieram em seu desenrolar, abertura de
espírito para avaliações diferentes da sua, definição coletiva de critérios
comuns de avaliação. A etapa da avaliação não deve, portanto, se restringir a
um único momento, em geral o momento final da atividade. Ela deve perpassar
todo o processo, tendo tempos reservados para isso nos encontros da turma. É o
momento de se analisar todas as atitudes de todos os envolvidos, apresentando
sugestões de como aperfeiçoá-las: alunos, professores, instituição, mundo
social, tudo e todos devem ser avaliados, construindo-se, nessa avaliação, critérios
e valores para o trabalho e a convivência humana.
A metodologia
de projetos atinge assim a diversos pressupostos da aprendizagem:
- partir de uma visão sincrética do assunto, passar por uma etapa analítica e fechar com uma visão sintética do problema estudado;
- proporcionar experiências de contato, de uso e de análise das informações acessadas;
- partir de situações propostas pela prática, questioná-la e ampliá-la à luz da teoria e retornar à prática a fim de intervir na realidade, transformando-a;
- trabalhar objetivos relativos ao saber, ao saber fazer e ao saber ser.
Conforme deve ter
ficado claro, essa metodologia, caracterizada por sua flexibilidade e
complexidade implica, segundo Louis Not, exigências elevadas em relação aos
educadores: passa a ser exigida deles uma grande cultura geral que vai muito
além de uma única área de formação12. Também é necessário que os educadores
possuam uma grande disponibilidade de tempo e de envolvimento com os alunos e
seus projetos que serão diversificados, apresentando inúmeras e diferentes
demandas. O professor deverá ainda ser um observador vigilante e constante das
aquisições dos alunos, acompanhando se realmente se realizaram e provendo
atividades e recursos de ensino complementares, sempre que preciso, que incentivem
os desenvolvimentos necessários.
As novas
pedagogias exigem novas instituições de ensino
Qualquer
implantação de uma nova proposta pedagógica como a Pedagogia das Competências
exige uma reorganização das instituições de ensino que se comprometa com a
formação em serviço de seus educadores, ampliando seu campo de experiências
culturais, propiciando tempos e espaços para o planejamento e a avaliação
coletivos, para o desenvolvimento de atividades integradas, para o
compartilhamento de experiências e para a pesquisa acadêmica e de campo. O
estímulo à educação continuada dos professores deve ser total e incluir
obviamente seu reconhecimento em termos de remuneração. Como nos alerta Morin:
"não se pode reformar a instituição sem uma prévia reforma das mentes, mas
não se pode reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições13".
Os contratos de
trabalho dos professores devem ser repensados, incluindo tempos remunerados
para todo esse novo conjunto de atividades de preparação, desenvolvimento e avaliação:
pesquisa de campo, pesquisa de informações, elaboração de recursos de ensino,
preparação de aulas com estratégias diversificadas, registro cuidadoso do
desenvolvimento de cada aluno e de cada grupo ao longo do processo com
observações acerca do que é necessário estimular em cada caso, busca de
contatos com profissionais, empresas e instituições ligadas à área de trabalho,
reuniões sistemáticas com colegas.
Além disso, as
instituições que realmente estiverem comprometidas com uma Pedagogia das Competências
precisam avaliar e reestruturar as condições materiais que estão proporcionando
como suporte aos processos educativos: nenhum professor pode implantar essas
novas estratégias de ensino-aprendizagem se não contar com bibliotecas
amplamente equipadas e atualizadas, laboratórios e oficinas com espaços e
infra-estrutura física adequados, número de alunos em cada turma, contatos
sistemáticos com o mercado através de pesquisas, trocas de serviços e contatos
diretos com profissionais, contatos sistemáticos com outras instituições irmãs
para troca de experiências pedagógicas e gerenciais.14
Isso significa
ainda que a organização gerencial das instituições deve prover uma ampla
circulação de informações que não sejam apenas uma tomada de conhecimento, mas
que promova ainda estudos e debates em torno das mesmas. Precisamos pensar
também no modelo de gestão da instituição: se queremos formar alunos
participativos e criativos, precisamos de professores participativos e
criativos e isso só se cria e se fortalece em instituições participativas e
criativas. Segundo Luc Brunet, "o clima [organizacional] determina a
qualidade de vida e a produtividade dos docentes e dos alunos. O clima é um
fator crítico para a saúde e para a eficácia de uma escola".15 Pensar no
clima organizacional, além de todos os aspectos já mencionados, significa
também pensar na qualidade das relações do cotidiano, do estilo de gestão e
tomada de decisões e da dinâmica de interação entre os diferentes grupos e
segmentos da instituição, com suas naturais disputas e divergências.
Um outro aspecto
característico das "organizações de aprendizagem" é a avaliação
institucional participativa, sistemática e periódica, oportunidade em que todos
os envolvidos se expressam acerca dos processos ali vivenciados com o objetivo
de aperfeiçoá-los. Para isso, todos os projetos devem ser acompanhados, todos
os profissionais mobilizados, ouvidos e comprometidos com a elaboração de
propostas de crescimento da instituição, desde a coordenação ou chefia mais
imediata até seus objetivos estratégicos.
Se, conforme
mostram a Antropologia e a Sociologia, somos frutos de nosso trabalho e de
nosso cotidiano, construir uma organização de aprendizagem é, portanto,
condição e produto da implantação de uma Pedagogia das Competências, de forma
que o trabalho em "sala de aula" espelhe os processos criativos e
inovadores vividos pelos profissionais no cotidiano da instituição.
À guisa de
conclusão
Desenvolvi nesse
texto a idéia de que a tarefa da educação deve ser sempre a de formar o ser
humano em todas as suas capacidades, a partir de um trabalho com os saberes que
circulam na sociedade. Todo educador deve ter em mente que o desenvolvimento
global do ser humano está diretamente relacionado com a qualidade de vida que
ele usufrui em seu cotidiano: direitos essenciais mais cultura, arte, diversão
e convivência humana.
Formar seres para
o mundo do trabalho não poderá jamais significar o mesmo que formar seres para
as empresas, porque as empresas têm, na maioria dos casos, como está amplamente
divulgado na imprensa, interesses particulares, individuais e individualizantes
e, via de regra, contrários aos interesses da maioria da população. Por outro
lado, na organização econômica atual, é impossível não dialogar com o mundo
empresarial. É preciso preparar os trabalhadores para esse diálogo,
enriquecendo os currículos de formação profissional e encarando a formação por
competências pela ótica dos trabalhadores: formação humana ampla, integral para
uma sociedade justa. Só poderemosfalar em sociedade justa, em mundo do trabalho
justo, quando os filhos de todos os cidadãos usufruírem de alimentação, saúde,
educação, lazer e esportes, cultura e arte, convivência, afeto, dignidade. É
para lutar por esse mundo que deve se voltar toda pedagogia e todo projeto de
formação profissional.
Notas
1 Para uma
discussão acerca das mudanças da sociedade moderna, como foco nos seus aspectos
culturais, ver, dentre outros, ORTIZ, R. Mundialização e cultura. São Paulo:
Brasiliense, 1998; HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as
revoluções culturais do nosso tempo. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 22,
n. 2, p. 15-46, jul-dez., 1997; Id. A identidade cultural na pós-modernidade.
Rio de Janeiro: DP&A, 1999; CANCLINI, N.G. Consumidores e cidadãos. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1997.
2 Para um
detalhamento da concepção de educação tecnológica como articulada à formação
para a cidadania, ver, entre outros: OLIVEIRA, M.R.N.S. Mudanças no mundo do
trabalho: acertos e desacertos na proposta curricular para o Ensino Médio
(Resolução CNE 03/98) - diferenças entre formação técnica e formação
tecnológica. Educação e Sociedade, Campinas, v. 21, n. 70, p. 40-62, abr., 2000
e COELHO, S.L.B. Repensando um projeto de educação tecnológica referenciado na
formação do cidadão técnico: algumas reflexões para a formulação de novas
propostas educativas. Educação e Tecnologia, Curitiba, v. 2, n.2, p. 52-56,
jul./dez., 1997.
3 PERRENOUD, P.
Construir as competências desde a escola. Porto Alegre, Artmed, 1999. p. 13.
4 Id. ibid., p. 31.
5 ENGUITA, M.F. A
face oculta da escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
6 Para uma
discussão crítica acerca da noção de globalização, ver HERNÁNDEZ, F. Os
projetos de trabalho e a necessidade de transformar a escola. Presença
Pedagógica. v.4, n..21, p .28-37, maio/jun., 1998. Ver ainda SENAC. DN.
Referenciais para a educação profissional SENAC/2001. Rio de Janeiro, 2001.
7 Para uma
síntese acerca dessas noções, ver SENAC.DN. (2001) op. cit.
8 A respeito da
gestão coletiva de classes, ver os diversos documentos produzidos pela Escola
Plural, através da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte.
9 DEMO, Pedro.
Aprender: o desafio reconstrutivo. Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v.
24, n. 3, set./dez., 1998. p. 33.
10 Para uma discussão
acerca da pesquisa do professor, ver LUDKE, M.; COELHO, S. L. B.; CEPPAS, F;
PUGGIAN, C.; CAVALCANTI, R. L. O professor e a pesquisa. Campinas(SP): Papirus,
2001.
11 Sobre a tensão
entre foco nos conteúdos e foco nas competências, ver PERRENOUD (1999) op.
cit., p. 10- 11, p. 40-41.
12 NOT, L.
Ensinando a aprender. São Paulo: Summus, 1993.
13 MORIN, E. A
cabeça bem feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p. 99.
14 Acerca da
importância das condições materiais sobre a atividade profissional do educador,
ver CONDIÇÕES para a prática de pesquisa nas escolas investigadas. In: LUDKE,
M.; COELHO, S. L. B.; CEPPAS, F; PUGGIAN,C.; CAVALCANTI, R. L. (2001) op. cit.
. O professor e a pesquisa. Campinas(SP): Papirus, 2001.
15 BRUNET, L.
Clima de trabalho e eficácia da escola. In: NÓVOA, A. As organizações escolares
em análise. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p .128.
Suzana Burnier
Fonte:
www.senac.br